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terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Noite no aeroporto de Dalaman, Turquia.

Foi um dia longo de viagem. O primeiro voo foi do Porto para Barcelona, com partida às 6:30 e chegada prevista para as 9:20. O tempo de espera entre as viagens iria ser o pior, mas íamos preparadas para tudo. O voo seguinte seria de muitas horas seguidas, e à medida que nos deslocávamos para leste começávamos a sentir as horas a passar-nos ao lado. Íamos partir às 13:50 de Barcelona para Istambul, chegando lá às 18:20 e tendo depois que partir de novo, de Istambul para Dalaman e de Dalaman teríamos que apanhar um autocarro para Marmaris.
Mal chegamos a Barcelona fomos comer qualquer coisa, era cedo, mas já nos sentíamos cansadas. Tinha combinado com uma grande amiga dos tempos da escola primária que estava a fazer Erasmus em Barcelona para vir ter connosco ao aeroporto e foi muito agradável e divertido falar de tudo e mais alguma coisa, rir muito como sempre foi nosso costume e acima de tudo adorei sentir aquela sensação que às vezes temos sobre algumas amizades - que podemos estar longe muitos anos, mas quando estamos juntos, a amizade continua igual!

Às 13:50 seguimos a nossa viagem. 

Ao chegar ao aeroporto de Istambul deparamo-nos imediatamente com outra cultura. Vimos pessoas a quem só víamos os olhos, com burca da cabeça aos pés. Sentimo-nos perdidas com placas escritas em alfabeto diferente do nosso, mas decidimos apenas seguir todos os restantes que saíram do mesmo voo que o nosso. Ficámos numa enorme fila para controlo do visto, entramos em stress por termos pouco mais de uma hora para entrarmos no aeroporto e seguidamente na fila para a entrada no nosso voo. Mas mal fizemos o controlo de visto, encontrámos a Andreia, uma portuguesa bem familiarizada com a Turquia e que nos orientou no aeroporto e seguimos viagem juntas. Ensinou-nos logo no avião a ler algumas palavras como a palavra que estava mais próxima de nós no avião, Çıkış (saída). Ensinou-nos que o c cedilhado se lê CH e que o s cedilhado se lê Z, lendo-se então
chikizz ou algo assim.
Partimos então às 19:55 do aeroporto de Istambul (Istanbul Sabiha Gokcen) com chegada prevista a Dalaman às 21:25. Íamos para um intercâmbio de jovens europeus e começámos a reparar num grupo de pessoas a falar italiano a olhar muito para nós. Estávamos cientes que a probabilidade de virem mais jovens para o mesmo intercâmbio no mesmo voo era muito alta, e eram mesmo eles. A equipa Italiana. Dois rapazes, duas raparigas e a "líder de grupo". A Andreia (uma madeireise 5 estrelas que conhecemos num training na Hungria e que foi connosco nesta aventura) começou a quebrar o gelo a falar da Madeira, do Ronaldo e das ideias e percepções erradas que as pessoas têm das ilhas e de acharmos que na ilha não há isto ou aquilo...Rimo-nos todos. Depois a equipa italiana teve um problema com as malas, tiveram que ir levantá-las à zona dos voos internacionais, pois tinham levado bagagem de porão, contrariamente a nós que levamos apenas bagagem de mão. Pediram que esperássemos por eles, e assim fizemos. Esperámos na entrada principal do aeroporto. Meia hora. Uma hora. Duas horas se passaram e nada. Nada dos italianos. Nada de Valeria, Greta, Lucia, Domenico ou Francesco. E vimos o último autocarro sair. 

O aeroporto estava a fechar portas. A nossa líder ligou-nos a saber de nós e comunicamos-lhe que estávamos a esperar pela equipa italiana. Ficamos indignadas ao saber por ela que a equipa já estava a caminho do hotel. Perdemos o último autocarro e não sabíamos bem o que fazer. As tarifas para Portugal rondavam quase os 2,5 Eur minuto por chamada, quer efetuada por nós quer chamada recebida. Nada de wi-fi. A nossa líder insistiu que apanhássemos um táxi, mas não íamos a contar com isso e não levámos Turkish Liras em valor suficiente para arriscarmos ficar a meio do caminho. Ligámos para casa. Gastámos muito saldo. Voltámos a ligar à líder da equipa portuguesa que insistia que devíamos apanhar um táxi. Perguntámos se não nos poderiam vir buscar. Nada. Em casa já estavam, claramente, preocupados.
Estávamos eu, a minha irmã Lici e a Andreia. Estávamos a regressar ao aeroporto até que uma funcionária do mesmo nos traz três copos com chá típico Turco. Algo quente e inesperado. Ficamos agradecidas e chegadas ao aeroporto quisemos saber a que hora seria o próximo autocarro e era às quase 7 da manhã. O segurança noturno abriu-nos a porta. Pousamos as coisas nos bancos. Pusemos os telemóveis na carga. Eu ainda tirei uns rebuçados da banca da Europcar, morrer à fome eu não ia ! (ahahah) A Andreia sacou do portátil e preparou alguns filmes para vermos e do nada aparece o guarda noturno com três pratinhos com uma sobremesa típica e super deliciosa que mais tarde tive oportunidade de repetir, designada şekerpare. Eu e a minha irmã entreolhamo-nos com lágrimas nos olhos. Sentiamo-nos tal maneira perdidas e desamparadas. Abandonadas pela nossa líder e pelos responsáveis turcos do intercâmbio e do nada alguém que não tinha responsabilidade nenhuma por nós, alguém que nem nos conhecia teve um gesto tão bonito connosco. O gesto dele foi um pedacinho de Deus para mim. Senti que estava tudo bem. Que ia passar ali a noite, mas estava tudo bem. Comemos e era uma delícia, mas a Lici não ficou muito fã, eu fiquei. Levávamos todas um pedacinho de Portugal, por ser típico haver uma noite dedicada à cultura (sobretudo gastronómica) de cada país. Eu levei um queijo da Serra, a Andreia um bolo de mel da Madeira e a minha irmã um salpicão. A Andreia informou-no que os Turcos não comem porco, pois ela já fez voluntariado e já conviveu com esta cultura muito muito de perto. Então eis a nossa ideia, pegamos nos três pratinhos que nos deu, mas só enchemos dois, um quarto do queijo e uma fatia do bolo. E caminhámos até ao senhor com os pratinhos na mão e entregámos como forma de grande agradecimento por nos abrir a porta e nos alimentar. 


Passamos a noite a dizer que íamos ver filmes para não adormecer-mos, e vimos dois. De terror. Mas também decidimos dormir e dormimos. A meio da noite trocaram de turnos e lá se foi o Senhor que foi o nosso anjinho. Apanhámos o primeiro bus com muito sono ainda e com dores no corpo, por ser tão desconfortável dormir num banco de aeroporto sem estofo, sem partes fofinhas, por termos acabado por nos cobrir com roupas que trazíamos na mala, mas que não eram quentes pois íamos preparadas para um Verão e não uma noite fria. E foi uma noite fria, mas percebemos desde este início que nos esperava uma cultura com uma simpatia quase desconhecida por nós. E foi uma viagem sempre a surpreender.


(seguem algumas fotografias)

"Mal chegamos a Barcelona fomos comer alguma coisa"
"Tinha combinado com uma grande amiga dos tempos da escola primária"


Barcelona
Aeroporto de Barcelona - El Prat
"Sentimo-nos perdidas com placas escritas em alfabeto diferente do nosso"
"Ensinou-nos logo no avião a ler algumas palavras como a palavra que estava mais próxima de nós no avião, Çıkış (saída)"
Aeroporto de Dalaman
"Estávamos a regressar ao aeroporto até que uma funcionária do mesmo nos traz três copos com chá típico Turco"
"Esperámos na entrada principal do aeroporto."


"Passamos a noite a dizer que íamos ver filmes para não adormecer-mos, e vimos dois. De terror."
Andreia a pôr os filmes.
"Então eis a nossa ideia, pegamos nos três pratinhos que nos deu, mas só enchemos dois, um quarto do queijo e uma fatia do bolo."
O aeroporto à noite. Fechado.
"Também decidimos dormir e dormimos."
As habitantes do aeroporto.
O amanhecer.
"Apanhámos o primeiro bus com muito sono ainda e com dores no corpo, por ser tão desconfortável dormir num banco de aeroporto sem estofo, sem partes fofinhas"

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Medo em Milão

Estávamos ansiosas para visitar Milão, a grande capital da moda.
Ainda me lembro como se fosse hoje do nosso entusiasmo e de tentarmos manter-nos acordadas e bem dispostas após termos chegado ao aeroporto de Bergamo depois de 10 dias num intercâmbio de jovens em Marmaris, na Turquia. Lá o choque cultural foi algum, mas gostamos de tudo o que vimos, das cores vivas, dos mercados, de regatear nos mercados, da simpatia das pessoas, e gostamos tanto mas tanto da comida que trouxemos agarrado ao nosso corpo uns bons 3 quilos extra cada uma. Eu e a minha irmã Lici.

Ao chegar a Bergamo escolhemos uma camioneta que nos levaria ao centro e pensamos nós que a diversão iria ser retomada. Depois desta visita de um dia, o nosso próximo destino seria o nosso lindo Porto, a nossa casinha, onde nos esperariam de braços abertos pais e irmão.

Depois de cerca de meia hora de viagem chegamos ao centro, a camioneta estacionou na estação central de Milão. Embora a chuva nos intimidasse, tentamos manter-nos imunes a ela e seguir caminho rumo ao desconhecido, com apenas um mapa para nos guiarmos. Vínhamos mal habituados da Turquia, onde vivemos um Verão antecipado que chegou em pleno final de Abril. Aqui teríamos mesmo que estar à chuva sem um guarda-chuva ou uma parka. Só nós, a grande sede de explorar uma cidade nova e um cabelo despenteado da chuva.

Os grandes relógios e grandes anúncios a marcas que apenas estamos acostumadas a ver na TV e não no nosso pequeno Portugal cativaram a nossa vista. As rodinhas do trolley da Lici rodavam e rodavam sem parar. Era a sede de ver mais e mais. E o que mais ansiávamos ver era a "Duomo di Milano", a conhecida catedral de Milão e junto a si a Galleria Vittorio Emanuele II com ainda mais marcas super caras e chics, super estilo de filme nova iorquino, super estilo de gente mais rica que nós que tem a possibilidade de entrar nestas lojas a qualquer altura e sair de lá não com um ar desanimado, mas com um saco cheio...

Mas até lá chegar o pesadelo começou. Decidimos não ir de metro e assim poder ver as ruas e as suas gentes, poder sentir os cheiros de Milão, ver as arquiteturas de Milão, as cores das casas, poder dizer que calcamos o seu chão, e também uma desculpa boa para perdermos os 3 quilos que trazíamos a mais. E assim foi. Fomos a pé. E vimos as suas gentes, mas apenas as pessoas mais pobres e sem abrigo. Tantos sem abrigo. Que realidade triste. E a chuva continuava. E o caminho era longo e tantas vezes nos perdemos e havia ruas e ruas vazias, sem ninguém para nos ajudar. Até que encontramos pessoas. Encontramos até muitas pessoas, mas estavam a ser proibidas de entrar em algumas ruas, a polícia parou-nos a nós também. 

Tivemos que pesquisar no nosso pequeno mapa alternativas para chegar à catedral. E chegamos. E pessoas ricas nas galerias, e pessoas menos ricas e mais pobres fora dela. Já não eram mendigos, mas eram vendedores. Vendiam guarda-chuvas e vendiam selfie sticks. Tirámos algumas fotos e entramos no primeiro Mc Donalds que vimos, pois a fome apertava, mas nunca tanto quanto a dor de ver tanta pobreza a contrastar com a riqueza das marcas que vendem em Milão.

No Mc Donalds a nossa vez tardou a chegar, e assim tardou também a comida. Mas chegou. E quando chegou procuramos um lugar e sentamo-nos. Era mesmo em frente à televisão, que bom! Mas a fome morreu mal olhamos para a televisão e um medo invadiu os nossos estômagos e tirou a nossa fome. Era dia 1 de Maio. Era a abertura da Expo em Milão. Eram carros vandalizados, ruas cortadas e em fogo, pessoas a manifestarem-se contra estes contrastes sociais no dia do trabalhador. Ficamos então com medo. Medo de acontecer algo mau, medo de não voltar para aqueles que nos esperavam de braços abertos.

Levantamo-nos, levamos os hambúrgueres na mão e fomos em passo largo até ao metro, as rodinhas do trolley da Lici rodavam com mais força agora. Fomos então de metro para a Estação Central e daí para a camioneta que nos deixou entrar, e já cheia arrancou fora do horário. O medo era geral nos turistas e não só em nós. Chegamos a Bergamo. Passamos lá a noite no aeroporto, era frio mas o facto de ter lá pessoas a sentir as mesmas emoções aqueceu o nosso coração aflito. E no dia seguinte recebemos os nossos abraços. Contamos as nossas histórias de dois países tão diferentes e demos-lhes algumas lembranças. Foi assustador, mas Milão merece uma segunda oportunidade para nos poder mostrar o que de tão bom tem para oferecer :) Nós voltaremos!

(algumas imagens)

"As rodinhas do trolley da Lici rodavam e rodavam sem parar"

"Fomos a pé."
Galleria Vittorio Emanuele II
Uma das lojas super caras da Galleria Vitorio Emanuele II
"Eram vendedores. Vendiam guarda-chuvas e vendiam selfie sticks." 
"No Mc Donalds a nossa vez tardou a chegar, e assim tardou também a comida. Mas chegou. E quando chegou procuramos um lugar e sentamo-nos. Era mesmo em frente à televisão, que bom! Mas a fome morreu mal olhamos para a televisão e um medo invadiu os nossos estômagos e tirou a nossa fome."
"Fomos em passo largo até ao metro, as rodinhas do trolley da Lici rodavam com mais força agora."
"Passamos lá a noite no aeroporto."
"Passamos lá a noite no aeroporto."

"Passamos lá a noite no aeroporto."